quinta-feira, 29 de outubro de 2009

“Fachavor, se puderem auxiliar com uma moedinha!!! esta está boa!!!


Ver e ser visto
(José Diogo Quintela)
Os Descobrimentos não foram uma epopeia,
foram uma volta para apreciar as vistas.
Não demos novos mundos ao mundo,
demos um passeio.


Fui ao Museu de Arte Antiga ver a exposição Encompassing the globe, sobre a presença cultural portuguesa no mundo durante os séculos XV e XVI.
Não é muito grande.
Para um povo que cirandou tanto pelo mundo durante esse tempo, não mostra muitas coisas.
Em termos de souvenirs que se trazem das viagens, é pobre. Algumas mulheres conseguem trazer mais compras depois de passar uma semana em Nova Iorque.
Então quando comparado com outros povos de viajantes, nem se fala. Os ingleses, só do Parténon, fanaram muito mais pedra em 11 anos do que nós nos cinco séculos em que nos espraiámos pelo mundo. Está toda no Museu Britânico, juntamente com vários tipos de calhaus, de outros sítios e outras eras.
E ainda têm a lata de pedir donativos à saída, como quem diz: “Fachavor, se puderem auxiliar com uma moedinha, para ajudar a tomar conta do saque, agradecemos. Somos gatunos de pedra, mas não de produtos de limpeza.”
Quando quiser ver-me livre de entulho, chamo os ingleses e digo-lhes que são ruínas. 


Desmontam um destroço num instantinho.
Nós somos mais uns povos de ver.
No site do Museu de Arte Antiga, a exposição é apresentada com uma citação retirada do New York Times em que se diz que, com os Descobrimentos, ao ligar várias partes do mundo, Portugal inventou a Internet.
E a Internet, para mim, serve para bisbilhotar.
Os portugueses gostam de bisbilhotar.
Mal nos viram, os japoneses toparam logo isso.
Umas das peças da exposição são os Biombos de Nambam, que representam a chegada dos navegadores portugueses ao Japão.
Os marinheiros são sempre desenhados com enormes narizes.
Notáveis pencas.
Porque, lá está, éramos vistos como narigudos.
Tipos que metiam o nariz onde não eram chamados.
Daí as pinturas terem sido feitas em biombos, utensílios que servem, precisamente, para resguardar de olhares curiosos.
Os japoneses mandaram duas indirectas e é possível que não as tenhamos percebido, tão ocupados que estávamos a coscuvilhar.
Numa loja da Medina de Ceuta,
num mercado em S. Jorge da Mina,
num bazar em Ormuz
ou num (inserir nome de tipo de estabelecimento comercial) em (inserir local exótico onde tenhamos andado), o português é aquele que, quando o comerciante pergunta se pode ajudar, responde:
“Não, obrigado, estou só a ver.”
Na maior parte do tempo, nós estivemos só a ver.
Os Descobrimentos não foram uma epopeia, foram uma volta para apreciar as vistas.
Não demos novos mundos ao mundo, demos um passeio.
Vasco da Gama, Álvares Cabral, Diogo Cão.
Os navegadores de Quinhentos eram os socialites de agora.
Queriam ver e ser vistos.
Os biombos, além de uma prova da nossa indiscrição, são uma espécie de revista Caras nipónica.
Descobrir, mais no que “achar”, foi “destapar”.
Chegámos aos sítios,
espiolhámos tudo com curiosidade,
mas raramente tivemos outro interesse que o do espectador.
É provável que seja por isso que hoje não há assim muito para ver dessa época.
Ficou visto na altura.

Humorista
Da Pública 18.10.09

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