quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Candidatura ao cabaz

Não concorda aquele presidente de instituição que se dê, de mão beijada, subsídios de centenas de euros a pessoas novas e saudáveis, sem se lhes exigir algumas horas de contributo à sociedade que suporta a inactividade.

Já não havia fila. Quase todos tinham sido inscritos e empiricamente avaliados. Era a antepenúltima. Relativamente jovem, na casa dos trinta, bom aspecto, bem aperaltada, mãos finas e tratadas, dedos anelados, sinal de não trabalho, pelo menos duro, telemóvel de boa gama bem à vista, fixou, altaneira, a escriturária. Estava presente o presidente da instituição. Por mero acaso.

Diga-me, então, o seu nome:- Fulana de tal de Pinho. Idade: - Trinta e tantos anos. Agregado familiar: - Sou eu, mai-lo meu homem e os dois pequenos. Profissão: - Não temos. Qual o seu rendimento: - Quinhentos e quê euros que recebemos do rendimento mínimo. E como passam o tempo: - Eu ando por aí e levo os pequenos à escola e o meu homem dá por aí umas voltas, na freguesia e pelas vizinhas e recolhe umas sucatas. E isso rende alguma coisa: - Sim, dá sempre uns trocados p’ros copos dele e tem semanas que chega a tirar uma pequena féria. Onde mora: - Ali no bairro social, desde há pouco tempo. Eu antes morava numa freguesia não muito longe daqui. Quanto paga de renda: - Está na casa dos dez euros.

Todo este questionário na secretaria de uma instituição pública que deliberou atribuir um cabaz de Natal às famílias mais precisadas da freguesia, para evitar dar o modesto, mas mesmo assim significativo, bodo a quem o desmerecesse, por ter receita familiar média que lhe permitisse, se gerida, manter certa qualidade de vida.

Oh senhora! Então com o rendimento que tem, a viver numa casa de renda social, acha que deve ter direito a esta pequena oferta da instituição? - Ora, disseram-me que havia inscrições para uma consoada e eu acho que tenho também direito. Faz-me lembrar o desabafo de um político logo que, nos anos 70, foi instituído o SNS (Serviço Nacional de Saúde). Logo que instituído, começaram a aparecer montes e montes de pessoas nos Hospitais e Centros de Saúde. E ouvia-se de muitas vozes: “Eu venho aqui porque tenho direito”. Mas que doença tens, afinal? “Nenhuma, mas quero ser visto pelo médico, porque tenho direito”. Retoma-se o diálogo. Olhe, minha senhora, nem sequer assentamos o seu nome, porque temos a certeza de que a vai comprar um cabaz bem melhor do que o que vamos dar aos mais pobres, aos que realmente precisam, porque têm menos rendimento e mesmo esse é ganho a trabalhar, a fazer alguma coisa de útil.

Este é o relato de caso real que nos foi passado pelo presidente aludido no primeiro parágrafo, pessoa também com experiência nas lides executivas autárquicas e que foi desbobinando o que sentia perante amigos da sua roda, manifestando o seu desacordo com a displicência com que se atribuem subsídios, sem ao menos uma consulta, mesmo que não vinculativa, à autarquia. A Junta de Freguesia é quem conhece toda a gente e, em situação de alguma dúvida, conhece os que estão mais na proximidade e que podem informar, ou, se for caso disso, garantirem qualquer declaração com o seu testemunho.

Mas ele ia mesmo mais longe nas suas exigências. Que as juntas de freguesia fossem parte na elaboração e validação dos processos de candidatura aos subsídios sociais e, mesmo depois de aprovados, deveriam levar despacho quanto à inserção no mundo do trabalho e na sua adequação ao meio, se morando em complexos sociais.

Não concorda aquele presidente de instituição que se dê, de mão beijada, subsídios de centenas de euros a pessoas novas e saudáveis, sem se lhes exigir algumas horas de contributo à sociedade que suporta a inactividade. E diz conhecer, na terra dele, várias pessoas que não trabalham porque… é melhor andar ao alto, tendo quem lhes mantenha o canastro.
Na altura em que foi instituído o rendimento mínimo garantido (agora mudado de nome) falava-se muito no mercado social de emprego e que constava exactamente da prestação de alguns serviços à comunidade, desde apoio a idosos (com a preparação prévia, claro) até à limpeza de matas e valetas e ribeiras e até à vigilância de florestas na época de fogos. E quem recebe os subsídios só porque os requereu, se saudável e em idade activa, não deveria ter implícito no eventual deferimento a dada de algumas horas de trabalho a quem lhe alimenta a ociosidade? Eu estou com o meu interlocutor do primeiro parágrafo. E lembro aquele ditado bem antigo: A ociosidade é a mãe de todos os vícios.

♦ José Pinto da Silva
In Terras da Feira Online.

7 comentários:

Anónimo disse...

ISSO É VERDADE. NÃO ENTENDO O PORQUÊ DE ESSAS PESSOAS NÃO TRABALHAREM EM PROL DA SOCIEDADE.

Anónimo disse...

Eu gostava de perguntar a quem de direito, porque razão no site da junta de freguesia não aparece o projecto do Ilha Bar?

Pelo que dizem já está pronto, porque não o mostram à população.

Anónimo disse...

É um direito de quem desconta vários anos. Se essas pessoas estão a prestar serviço, não podem andar a procurar novos empregos! Logo não faz sentido. Até porque existe várias pessoas que toda a vida trabalharam num determinado serviço, não faz sentido fazerem algo totalmente diferente só para os castigar, já basta a infelicidade de ficarem sem trabalho.

Anónimo disse...

As juntas tem o dever de alertar para os casos menos correctos.

Anónimo disse...

O texto não fala de desempregados que estejam, ou não à procura de emprego. Fala de gente sem nenhuma preocupação de fazer algo porque, de borla, sem nada fazerem, recebem no dia certo o tal cheque do RSI. Porque não dão alguma contribuição à sociedade? Todos têm
qualificação para fazer vigilância de florestas, por exemplo. Até que fossem catedráticos. Passe o exagero comparativo.
José Pinto da Silva

Anónimo disse...

É vergonhoso o que se passa... Também gostava de receber o rendimento mínimo, morar numa casa com renda de 10€, tomar o pequeno-almoço na pastelaria todos os dias e por lá ficar toda a manhã, à sexta-feira ir ao cabeleireiro arranjar o cabelo e as unhas para o fim-de-semana... E mais naqueles dias que até nem me apetecesse cozinhar ia almoçar fora num restaurante da freguesia ou então dava um saltinho à superfície comercial mais próxima. Já para não falar que pelo facto de não fazer nada o dia todo é uma canseira tão grande que teria que por os meus filhos no infantário... Alguém me sabe dizer onde se denunciam situações destas??? Andamos nós a pagar para isto? Já para não falar naqueles que recebem o rendimento mínimo e estão a trabalhar e quando o patrão lhes diz que os quer pôr a contratos eles recusam. Tudo casos da nossa freguesia ...

Anónimo disse...

Sim Senhor, bonito texto que diz exactamente o que se passa na realidade,muito obrigado SR PINTO por trazer isto à luz do dia e em insistir neste assunto que é uma vergonha ,é inadmissivel o que os politicos para agradar a alguns sao capazes de fazer, dà a impressao que nao vivem na realidade do dia a dia, nao sabem o que se passa, diria que vivem num Mundo à parte.Os governantes estao a criar uma cambada de parasitas da sociedade,que vai terminar muito mal, porque o dinheiro nao vai durar sempre e essa gente, que nao contribui para nada que nao està habituada a vergar a mola,e vai querer viver sempre assim,estou de acordo com o comentario anterior , que é que se pode fazer para denunciar estes casos de abuso ? Nao tera a junta de freguesia uma palavra a dizer? pois penso que eles devem conhecer estes casos e ainda numa freguesia pequena como a nossa,uma coisa é certa isto nao poderà continuar sempre assim oli64